segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ford GT40



O Ford GT40 não será de todo um carro desconhecido para os leitores.
Mas ao ver algumas imagens da edição deste ano do Concorso d'Eleganza Villa d'Este, decidi fazer este texto para dar a conhecer uma versão menos conhecida do GT40: o Mk III, a versão "civil" do lendário vencedor de Le Mans, e com isso aproveitar para relembrar a história, de uma forma muito superficial, por trás da criação de um dos ícones do mundo automóvel.

Como a maior parte das grandes histórias do mundo automóvel, envolve egos de "monstros" da industria, e motivos como ambição e vingança pessoal.

Os actores principais são Henry Ford II e Enzo Ferrari. No início da década de 60 a Ford queria avançar para as competições internacionais, em particular competições de GT. Henry Ford II não queria partir do zero, e sabia que a melhor maneira para isso era adquirir uma estrutura já estabelecida e com experiência e se possível sucesso. Neste campo ninguém ultrapassava a Scuderia Ferrari.

Na mesma altura, A Ford-Alemanha tem informações que a Ferrari procura uma fusão com um grande construtor, e o nome Ford é referido. Enzo Ferrari sempre admirou Henry Ford e admirava a Ford como companhia. Via na fusão com a Ford um encontro perfeito de interesses, pois o financiamento do grande construtor permitia prosseguir os seus esforços nas competições automóvel e mesmo na construção das suas máquinas de estrada sem ter de se preocupar com as questões financeiras destas atividades. Em troca teria de fornecer alguma tecnologia e a sua imagem e nome para a Ford, algo que não o preocupava, pela imagem que tinha da companhia.

As conversações começaram em Maio de 1963. A ideia, sugerida pela Ford, seria a criação de duas companhias: Ford - Ferrari e Ferrari - Ford.
Ford - Ferrari: teria a Ford como principal accionista e produziria o tipo de carro de luxo e desportivo que a Ferrari construía, ou seja, na prática, substituiria a Ferrari.
Ferrari - Ford: o departamento de competição, sob controlo de Enzo Ferrari, e financiado pela Ford, que iria fazer uso de tecnologias ai desenvolvidas, da imagem e publicidade. A Ford ficaria também com a opção de compra da parte da Ferrari após a morte de Enzo.

Na parte Ford - Ferrari as conversações correram sem sobressaltos, chegando ao ponto de discutir o desenho dos emblemas que seriam usados.

É na parte Ferrari - Ford que os problemas começam. Enzo estava preocupado com a falta de interesse da Ford na F1, temendo que isso implicasse mais tarde ou mais cedo o corte do financiamento para esta competição. Por outro lado, a sua intenção de participar na Indianapolis 500 não foi bem aceite pela Ford.
Do lado da Ford haviam também hesitações. A exigência de Enzo Ferrari no corte de relações com a Shelby American, a quem Henry Ford II sentia que tanto devia, não foi bem aceite. Por outro lado a ideia da Ford de participar na 24h de Le Mans encontrou oposição da Ferrari, que vencera nas últimas edições.

As conversações terminaram ao fim de 10 dias e milhões de dólares gastos pela Ford em auditorias à Ferrari e em advogados, com a Ferrari a comunicar que não haveria qualquer tipo de acordo.

Henry Ford II levou a atitude de Enzo como uma ofensa pessoal, e ordenou a Donald Frey, que tinha dirigido as conversações com a Ferrari, que encontrasse uma companhia capaz de construir um carro capaz de derrotar a Ferrari nas competições GT e de Endurance.

Conversações foram iniciadas com a Lotus, Cooper e Lola, mas no final seria a Lola a escolhida, muito por culpa do seu Lola GT / Mk 6, que utilizava já um Ford V8 e que tinha tido já uma prestação interessante na edição de 1963 de Le Mans.
O acordo não envolveu a Lola Cars directamente mas sim a colaboração pessoal de Eric Broadley (presidente e engenheiro chefe da Lola) e a venda dos dois Lola Mk6 à Ford.
Foi também contratado John Wyer, antigo director da equipa da Aston Martin, e o engenheiro da Ford Roy Lunn - que tinha desenhado o concept Mustang I com motor central - foi enviado para Inglaterra, mais propriamente Slough, para completar a equipa. Dava-se assim início à Ford Advanced Vehicles Ltd (FAV), e nascia o Ford GT40, que deve o seu nome à junção da sigla de Grand Turismo, e que representava as provas onde correria, com a sua altura  - 40 polegadas, ou 1,02m.

A ideia inicial de chassis em alumínio, à semelhança do Lola Mk6 rapidamente foi abandonada. Foi usado um chassis em aço porque a Ford achou ser necessário para lidar com os motores que seriam usados.
Inicialmente é usado o motor em alumínio V8 4.2l do Ford Fairlane, que já era usado no Lola Mk 6, com cerca de 350cv, que estava ligado a uma caixa de velocidades Colotti de 4 velocidades.
Para a suspensão foram usados duplos triângulos sobrepostos à frente e "double trailing arms" atrás.
A sua carroçaria era em fibra de vidro, e para facilitar a entrada e saída de pilotos, as portas incluíam parte do tejadilho.

 Dois carros ficaram concluídos a tempo para fazer testes em Le Mans em 1964. Os testes foram desastrosos! Um dos carros foi destruído e outro sofreu também danos. Durante os testes descobriu-se que a carroçaria gerava levantamento a alta velocidade, existindo também problemas de sobreaquecimento.
De volta a Inglaterra são feitos diversos melhoramentos para anular estes problemas.

O GT40 corre pela primeira vez nos 1000km de Nurburgring, em Maio de 1964, onde desistiu com problemas de suspensão. A época de 1964 foi pautada por falhas e maus resultados, causados em grande parte pela fragilidade da caixa de velocidades Colotti, que acaba por ser trocada por uma ZF de 5 velocidades. Durante 1964 começam a faltar motores do Fairlane e este acaba por ser trocado pelo bloco em ferro 4.7l utilizado nos Mustang.

 Em 1965 Ford decidiu colocar Caroll Shelby a dirigir o programa. A primeira corrida sob a direcção de Shelby trouxe a primeira vitória para o programa, na Daytona 2000, mas o resto da época foi um desastre. Talvez o mais importante para a história do GT40 em 1965 são as várias experiências que se vão fazendo na FAV, e principalmente dois protótipos que foram enviados para os EUA para a colocação do motor V8 de 7l do Ford Galaxie. Estes dariam origem aos GT40 MkII que, em 1966 conseguem a icónica vitória em Le Mans. Não uma "simples" vitória mas sim três GT40 nos três primeiros lugares!



A icónica vitória em Le Mans 1966

A Ford continuou a desenvolver o GT40, dando origem ainda em 1966 ao J-Car / Mk IV, que mantém apenas o V8 7l, sendo totalmente redesenhado para conseguir melhorar a aerodinâmica e reduzir peso - cerca de 140kg menos que o Mk II. Não foi usado em Le Mans pois estava ainda numa fase muito inicial de desenvolvimento e considerou-se que o Mk II seria mais fiável.

Os Mk IV correram em apenas duas corridas, as duas em 1967 - 12h de Sebring e 24h de Le Mans - ganhando ambas. Foram construídos 6 Mk IV. A vitória em Le Mans de 1967 é ainda a única totalmente americana, pois os GT40 Mk II de 1966 foram construídos em Inglaterra.

Ford GT40 Mk IV

Com base no J-Car / Mk IV é ainda construído o Ford G7A, para correr no Campeonato Can-Am.






Pelo meio fica Mk III, que é apenas concebido como carro de estrada.

As versões de estrada do GT40 surgiram logo nas primeiras versões do carro, pois era uma forma de conseguir algum retorno financeiro para o programa.
No entanto os primeiros não eram mais que GT40 MkI com motores ligeiramente mais civilizados para uso em estrada, e jantes de raios. Teriam tudo para ter sucesso, pois existia procura por um Ford superdesportivo. No entanto não tinha sido concebido para respeitar legislação americana, e o facto de estar disponível apenas com volante à direita (o carro era construído em Inglaterra) condenou o seu sucesso comercial.

A versão de estrada do GT40 Mk I

De tal forma que para uma segunda geração a Ford procede a uma série de alterações para o tornar num verdadeiro carro de estrada. Produzido entre 1967 e 1969, partia do mesmo chassis do carro de competição, que era preenchido com espuma e isolante onde possível para aumentar os níveis de conforto e segurança. Os depósitos de borracha foram substituídos por uns de alumínio, e essencialmente o comando da caixa de velocidades foi colocado em posição central, permitindo versões de volante à esquerda.
O motor, tal como nas primeiras versões de estrada, era uma versão mais civilizada do motor utilizado em competição, na prática era similar ao usado no Mustang GT350, um V8 com 4,7l produzindo cerca de 300cv.
O complexo sistema de escape é simplificado, e em conjunto com a extensão da traseira do carro, permite a criação de um pequeno porta-bagagens que no entanto, por ficar por cima do escape, tem a tendência para ficar extremamente quente!

O porta-bagagens/"forno"

A frente é também alterada para permitir a montagem de faróis à altura exigida pela legislação americana.
O interior é totalmente alterado, equipado com todos os manómetros necessários e forrado a pele.
Um interior mais civilizado. Note-se o comando da caixa entre os bancos.

Apesar de todas as alterações o modelo não teve qualquer sucesso comercial, com um total de 7 carros construídos. As razões para isso prendem-se com uma falta de qualidade geral de construção e de fiabilidade. Mas também com razões mais "emotivas" como a falta de precisão do comando da caixa de velocidades devido às alterações necessárias para o passar para o centro do habitáculo.
O preço também não ajudou as vendas. A 18500 dólares, era cerca de 2000 dólares mais caro que um GT40 de competição!




Apesar do insucesso e de todas as suas falhas, acho que o Mk III não deve ser um GT40 "menor" ou pelo menos não tão conhecido, pois estas falhas são compensadas, quanto a mim, pela sua beleza.
Um GT40 não é um carro feio, muito pelo contrário, mas as alterações que foram feitas ao Mk III dão-lhe uma beleza e elegância difícil de igualar.











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